MINHA FAROFA
Muito provavelmente 2016
(Publicado originalmente no Facebook)
A crônica é a peça mais difícil do mundo de explicar. Não é jornalismo, nem literatura. Mora ali no meio da terra de ninguém. Não se prende a um tema, a uma forma, não se pode classificá-la em nenhum movimento literário.
Vou logo dizendo isso de antemão pra que vocês não me perguntem porque diabo eu escrevi esse texto. Não sei. Desconfio que é porque Stael me abandonou com toda a vilania, ficou no Recife e me deixou aqui sozinho. Neste momento, sorri, feliz, na ilha de Itamaracá — onde eu cirandei quando criança, mas isso é outra história —, enquanto eu tô aqui, no cerrado chuvoso.
A chuva me dá preguiça. E foi assim, preguiçoso, que eu acordei unicamente para escrever os textos de um job como redator publicitário — te cuida Bahé!
Acordei quase na hora de almoçar. Abri a geladeira naquele espírito de megasena da virada — tomara que eu ganhe. Minha Flor deixou lá um suflê de frango que eu adoro.
Minha Flor é como eu chamo Regi, que trabalha aqui em casa há dez anos. Chicão uma vez me perguntou porque eu chamo ela assim. “Porque ela é como uma flor, se a gente não cuidar, murcha”. Ela veio do Maranhão e contou a Stael que um dia o antigo patrão tentou… sim, vocês sabem o que ele tentou. Eu sofri com essa história. Porque Minha Flor é tão tímida, tão introspectiva, que eu acho que ela não se defenderia. Bom, não houve o que vocês temem ter havido. Mas preciso voltar à história.
Tinha lá na geladeira o suflê. Mas era pouco. Aí eu pensei: — Aquele viado do Éden vive rebolando, dizendo que é o tampa de chush, que vai pra cozinha e faz isso, faz aquilo. Pois eu vou botar pra lascar aqui só pra contar depois no Feicebuque.
Veja bem, eu gosto de cozinhar. Mas isso não quer dizer nada. Já fiz alguns pratos com camarão que arrancaram elogios. Mas semana passada fui pra cozinha com Júlio e tive sucesso somente no cardápio. — Sucesso no cardápio, como é que é isso?, já tem gente aí perguntando. Pois respondo contando o que se passou.
— O que teremos para o jantar?, perguntou Mainha. Aí eu me amostrei: “Duas opções de prato principal, mademoiselle: carré de cordeiro ao vinho com purê de inhame; e risoto de castanha de cajú com salmão ao molho de maracujá”. Mainha ficou surpresa. E expressou somente o seguinte: “Caralho!”
Bom, no cardápio, foi um sucesso. À mesa, passamos o ponto do carré e do salmão. Desandamos o molho de vinho, que não reduziu o bastante e amargou como a moléstia, e o arroz cozinhou pela metade. Carolina, minha filha, que além de black bloc é vegetariana, levou três dias para digerir o risoto…
Em casa, sozinho, porém, decidi pelo caminho mais fácil. — O suflê tá pronto, pensei. Vou fazer a melhor farofa de ovo com banana do universo.
Não me julguem. Eu adoro farofa de ovo com banana. Levei uns 40 minutos procurando farinha, manteiga, ovo e banana aqui em casa — é, homem sozinho em casa sofre dessa desorientação logística e geográfica. Mas achei a receita muito óbvia. — Vou deixar minha marca, desafiei.
Peguei então um pedacinho de gengibre — sim, eu adoro gengibre —, ralei em imperceptíveis pedaços e misturei à farinha de mandioca antes da panela. Queria dar alma à farofa, uma leve “picância”, por assim dizer.
Mainha tinha me dado de presente um cortador de legumes e eu tava doido pra estrear. Então peguei a banana e pimba, botei lá. Eu queria uns quadradinhos pequeninos de banana pra misturar na farinha. Mas a ferramenta é de oposição. Bota gosto ruim nas melhores ideias. A coisa toda virou um purê.
— Faz mal não, disse a mim mesmo. Deixem o homem trabalhar.
Não tinha manteiga em casa. Fui de margarina cheio de culpa. Stael é nutricionista e vive esculhambando margarina. — Ela vai me matar se souber…, alertei-me. Meti duas enormes colheres de margarina na frigideira, joguei lá dois ovos, a farinha por cima dos ovos e a banana por cima da farinha. Nem precisava dizer a ordem, né, porque misturei tudo mesmo.
Nessa altura, eu já tava meio bebo. Eu só cozinho sorvendo vinho. Peguei um tinto alentejano. E fiquei alegre quando achei um único e solitário pão preto australiano na geladeira. — Viraste minha entrada, cochichei a ele.
Esquentei o suflê e… — Cacete, não é de frango! É de peixe! E é aquela receita que adoro, com uma crosta de queijo e banana em cima!
Assim, comi o almoço que é um desastre de cardápio: suflê de peixe com queijo e banana, com farofa de ovo e banana e pão australiano requentado, tudo isso com uma garrafa de vinho tinto.
O contrário da descrição, à mesa, essa esculhambada mistureba estava uma delícia. Menos por conta daquele estranho gostinho de gengibre que maculava a farofa de ovo…
