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FUI VER AQUARIUS

2016

Originalmente publicado no Facebook

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O filme é exibido num momento em que o Brasil tá inflamado. Então quem é do ex-governo atual oposição diz que é genial. Quem é da ex-oposição atual governo diz que é pusilânime. 


Isso porque o diretor -- Kleber Mendonça Filho, que ainda era crítico de cinema do JC quando eu comecei lá como estagiário de suplementos -- foi a Cannes e, de cima do palco, segurou o cartaz: coup d´stat a eu lieu au Brézil.


Quer dizer, o que se diz sobre Aquarius, a maior das vezes, nada tem a ver com Aquarius. Tem a ver com Dilma, Temer, PT e alhures. 


Na minha opinião, Aquarius é bom. Nem mais nem menos que isso. É bom. 


Fui uma criança e adolescente no Recife dos 70/80. Então tem lá muita memória afetiva para recifenses da minha idade. Inclusive e sobretudo na trilha sonora.


A cidade, desde então, aviltou-se. Aprisionada num território minúsculo, sem ter para onde se ampliar, cresceu para cima. Verticalizou-se. Está entregue a mais desbragada especulação imobiliária. A qualidade de vida piorou muito. A mobilidade urbana é mais do que um transtorno. A violência urbana é aflitiva. 


Aquarius se desenrola sobre o conflito entre a protagonista Clara e a construtora que se lança sobre seu apartamento, o último ainda não comprado no edifício que dá nome ao filme. 


Clara é uma senhora da classe média que resiste ao poder econômico -- sim, morar na beira-mar de Boa Viagem já não é pra classe média... Ela não quer vender o apartamento nem a pau. E a construtora faz todo tipo de vilania e mau caratismo pra obrigá-la a mudar de ideia. 


Ela é uma mulher que há muito já passou da flor da idade, sobreviveu a um câncer e perdeu o marido há 17 anos. Com os filhos já crescidos -- um deles gay --, vive sozinha, numa nostalgia resignada, sem luxo, mas com conforto e sexualmente ativa.


É, portanto, uma personagem muito próxima de todo brasileiro médio. Ou de todo ser humano médio do século 21 neste planeta.  


Veja que o tema, o cenário, o pano de fundo, tudo aponta para um grande filme. Tem pelo menos uma cena marcante, histórica, com Sônia Braga tirando o maiô quando chega da praia. 


Eis que Aquarius, portanto, é contemporâneo, universal. Poderia até ser uma denúncia social, porque as construtoras do Recife fazem aquilo tudo e mais um pouco na chamada vida real. 


Mas... O que incomoda é o ritmo, lento como Walter Salles mas sem a coerência e a grandeza estéticas de Walter Salles. 


O que incomoda é uns pedaços do roteiro que parecem desnecessários -- a festa de tia Lúcia com as respectivas memórias dela, por exemplo. E, por favor, não me venham taxar de careta, porque eu adoro uma sacanagenzinha.


O que incomoda é você contar a porra da história sem mostrar o final. Eu sei que os cineastas brasileiros sempre tentaram firmar uma assinatura tupiniquim à linguagem cinematográfica, rompendo com a linha narrativa. Mas, velho, se o filme é uma narração sobre algo, o desfecho é fundamental. 


Essas mesmas coisas que incomodam em Aquarius já incomodavam em O som ao redor, longa de estreia de KMF. Lá, a trama parece ser a da vingança de crianças pobres, quando adultas, contra um senhor de engenho vilão. Estranhamente, porém, a maior parte da perspectiva é a de um neto do senhor de engenho meio distante da família. Digo a maior parte porque de vez em quando ela se perde e a gente já não sabe pra que lado vai. 


Questionado à época, o diretor defendeu o argumento de que o cinema pode ser como a vida da gente, em que nos deparamos todos os dias com pedaços de histórias, com personagens que entram e saem de cena sem maiores explicações e sem um desfecho lógico ou conhecido -- sem contar que de vez em quando estamos por aí perdidos mesmo.


É, pode ser. 


N'O som ao redor essa forma funcionou como uma espécie de manifesto, já que era um filme de estreia. Em Aquarius, como a obra toda é centrada na perspectiva da protagonista -- portanto mais próxima de algo com domínio lógico, algo com começo, meio e fim --, a coisa meio que desanda. 


Eu saí do cinema dizendo assim: não é ruim, é bom, mas poderia ser sensacional. 

Fui ver Aquarius: Project

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