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CAMBAIO

2001

Esse pessoal de teatro é muito besta mesmo. Fizeram um musical -- uma peça musicada, sabe como é? -- e venderam o ingresso a R$ 20. Pelo menos eu paguei esse preço. Fui assistir ontem (domingo). Lá no Teatro Nacional. O nome era Cambaio. Pois saiba, leitor amigo, que por R$ 20 eu não só vi uma peça de João e Adriana Falcão como fui a um show de uma hora e meia com músicas do Chico com o Edu Lobo. Inacreditável.

Pense bem, minha senhora! Uma peça boa, mas boa mesmo, no barato, sai por uns R$ 40 aqui em Brasília. Um show só com inéditas do Chico!! Nossa, eu teria que vender a bicicleta da minha mulher pra ir. Pois eu paguei R$ 20 por isso tudo. Não dá pra ver, claro, mas eu estou rindo agora mesmo. Esse pessoal de teatro é muito besta mesmo...

Paguei barato e levei dois em um. Tudo bem que tem um probleminha. Acho que daqui pra frente vou a todas as peças escritas pela Adriana e montadas pelo João. Também acho que vou comprar o CD com a trilha sonora e não perco mais um show ou novo disco do Chico Buarque até que eu morra. Principalmente se o Edu Lobo tiver musicado suas pequenas obras de arte.

Bom, já tem alguém por aí dizendo que afinal de contas esse pessoal de teatro não é tão besta assim. “Fisgaram o cara.” Ou então, “ele pagou pouco agora, mas viciou. Vai gastar os tubos daqui pra frente”.

Aos ressabiados, tenho algo a dizer em minha defesa. Notem que eu escrevi lá em cima “uma peça de João e Adriana Falcão”. É, isso mesmo. Uma peça, como “um concerto da Filarmônica de Berlim” ou “uma ópera de Mozart”. Não importa qual, todas são boas.

Vou exemplificar. A última peça que eu vi da dupla chama-se A máquina. Vi lá no Rio. Eles ainda não a trouxeram a Brasília. Essa peça, montada pelo João a partir de um livro da Adriana, como em Cambaio, pondera o imponderável. Com sucesso. 

É assim: para provar seu amor por uma sua vizinha, um sujeito, Antônio, viaja no tempo. Visita sua cidade no futuro. Só que retorna no exato momento em que foi. Logo, ninguém acredita que ele foi. E ele jurara que se não fosse, se mataria.

Como foi, Antônio não cumpre a promessa de se matar. Como ninguém acreditou que foi, passa um tempo desacreditado na cidade. Abordado por alguns curiosos, começa a contar o que viu. “Fulana casou com Ciclano, Beltrano fez isso e aquilo e enriqueceu, tem uma estátua minha na praça...” Suas notícias o tornam quase que um profeta. Talvez encorajados pelas previsões, Fulana e Ciclano se casam, Beltrano fica rico. Os moradores põem um busto de Antônio na praça. O tempo se divide entre antes e depois de Antônio.

Intrigante? Não, instigante. Como tudo o que sai da cabeça de Adriana. Ela já avisou que não pretende mais fazer teatro. Diz que é escritora, não dramaturga. Por isso escreve livros, não peças.

Pois bem, em Cambaio a trama é ainda mais envolvente. Três pessoas, dois homens e uma mulher, sonham exatamente a mesma coisa, apaixonando-se uma pelas outras. Só que um sonha que é o outro. E que o sendo, ganha a prenda imensa, que é o amor dela, de Bela. Ela, Bela, é a única que sonha ser ela mesma. E que o sendo, ganha o amor dele. Dele quem, se um sonha ser o outro?

Instigante? Não, intrigante. Isso tudo acontece nas horas que antecedem um show. O artista, Cara, é um dos que sonha ser o outro. O outro, Rato, é o cara que sonha ser o artista. Não leitor, não se preocupe. Se você se perdeu, é por causa do meu pouco talento. Isso não acontece na peça. João Falcão não deixa.

Enquanto os atores _ todos inexplicavelmente desconhecidos _ sobem e descem a estrutura metálica que serve de cenário, palco do show e dos sonhos, cantam pérolas absolutamente novas de Chico Buarque. Alguns arranjos foram feitos por Lenine. Portanto, vai-se de valsinhas a pop-rock com toda a tranqüilidade da boa musica.

Alguém pode estar pensando “arg!! um musical. Os tapados param o texto pra cantarolar besteiras”. Não, leitor amado, não se deixe contaminar pela Broadway. Estamos falando de João, Adriana, Chico e Edu Lobo. As músicas são parte do texto. Como os braços são do corpo. 

A única coisa chata é que, no final, até você vai pensar que estava sonhando. Um sonho bom, que terminou, mas você não quer esquecer. Tem problema não. Paguei só R$ 20 pra ver Cambaio.

Cambaio: Project

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