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A POLÊMICA

2015 (talvez 2014)

Texto publicado originalmente no Facebook 

Pulula em todas as mesas de bar do Recife o ardor irrequieto da polêmica. Há bordas vermelhas nas discussões, como nas feridas inflamadas. Conta-se mais de uma briga de tapa. Uma namorada acabou tudo diante da pusilanimidade do rapaz sobre o assunto. Um amigo de infância deu um tabefe no outro e já não se falam mais.

Tudo porque ela levantou no meio do filme e saiu. Sim, sem dizer nada, nem fazer careta. Levantou e saiu. Garbosa até, com a bolsa pendurada no braço e um rebolado sexy. Foi embora pro aconchego dos travesseiros. Nunca disse a ninguém por que o fez. Se achou o filme ruim, se era dor de barriga… Ninguém sabe.

Recife, como se sabe, é a cidade com o maior número de cineastas em linha reta do mundo.

Acontece que ela não era uma qualquer. É Professora da faculdade de comunicação. É respeitada, admirada, querida mesmo. E o Cineasta diretor do filme tampouco é um qualquer. É desses que gostam de esfregar a genialidade na cara do mundo — não que a tenha, mas isso não vem ao caso.

A deserção dela no filme dele também não foi numa exibição qualquer. Foi no Janela, o festival independente que reúne toda a cena cinematográfica pernambucana — aliás, pensando bem, eu nem sei como é que cabe todo mundo no lendário cine São Luiz (quando adolescente, vi um filme erótico com Monique Evans lá. Ou era Luiza Brunet? Talvez Xuxa…) Mas isso também não vem ao caso.

Pois muito bem, o Cineasta escreveu um texto e publicou no Feicebuque. Esculhambou os cinéfilos pernambucanos. Disse que o Recife agora tá cheio de crítico de blog. — E ainda mais a Professora, onde já se viu levantar no meio do filme e sair? De lambuja, tascou uma acusação séria de tráfico de influência no programa de pós-graduação que ela coordena na Federal.

Pronto.

Os alunos de comunicação passaram a discutir a briga. Os de cinema, o filme. Todo o pessoal de Humanas se envolveu. A Professora escreveu um texto e publicou no mesmo Feicebuque esclarecendo as regras da admissão de pós-graduandos. Mas nada disse sobre porque levantou e saiu no meio do filme.

No Bar Central não se falava em outra coisa na quarta-feira. Tinha uma turma no Frontal que era a favor dela. Uma menina tava virada num mói de coentro.


No Lateral, uma mesa discutia indecisa, rachada como o Brasil depois da eleição. Mas há maioria clara e evidente em torno da inexplicável arrogância dele.

Carolina, minha filha, é a Professora e não abre nem pro trem. César, amigo dela, que é crítico de blog, até que viu umas virtudes no filme do Cineasta.

O movimento estudantil organiza a campanha “Somos todos críticos de blog”. E os cerca de dezoito mil críticos de blog cadastrados na Associação Recifense dos Críticos de Cinema em Ambiente Digital rascunham uma nota de repúdio. Diz-se no zapzap que é a maior associação do gênero na América Latina. Mas ainda estão checando essa informação.

Estive no Seu Boteco do Marco Zero na quinta à noite. Não é uma arena tão envolvida como a região do Central. O tema da mesa, portanto, era variado, mas a Polêmica ocupou duas rodadas de cerveja, o que é muito.


Passamos a outro assunto quando Ulisses, amigo de Eden, pediu a palavra e cunhou o epitáfio:

— Meirmão, a parada é a seguinte: pré-intelectual, semi-politizado, ativista e desempregado. O cineasta pernambucano é tudo isso simultaneamente.

Nem a mais renhida polêmica resiste à piada. E demos todos juntos aquela gargalhada ofensiva que encerra um e abre outro debate profundo sobre coisas sem a menor importância.

A polêmica: Trabalhos

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